Nascido em 1877 na cidade de Kanazawa, na Prefeitura de Ishikawa, Ohara Matao cresceu em um Japão em plena transformação. A Era Meiji estava remodelando o país, trazendo influências ocidentais que ameaçavam apagar séculos de tradição artística. Foi nesse contexto de tensão entre modernidade e tradição que o jovem Matao começou sua jornada, sem saber que se tornaria um dos maiores mestres da gravura japonesa.

 

Assinatura de Ohara Koson

Fonte: https://www.myjapanesehanga.com/home/artists/ohara-koson-1877---1945-/

Os Anos de Formação em Kanazawa

Entre 1889 e 1893, Ohara Matao frequentou a Escola Técnica da Prefeitura de Ishikawa, onde teve seu primeiro contato formal com pintura e design. Ali ele absorveu os fundamentos técnicos que mais tarde aplicaria em suas gravuras. Após concluir seus estudos, buscou aprofundar seu conhecimento com Suzuki Kason, um pintor respeitado da época. Foi de Kason que ele herdaria não apenas técnicas, mas também parte de seu nome artístico. Kason era versado na tradição nihonga, o estilo de pintura japonesa que resistia às influências ocidentais, e essa filosofia marcaria para sempre o trabalho de seu pupilo.

A Mudança para Tóquio e a Guerra Russo-Japonesa

Quando Ohara Koson chegou a Tóquio na segunda metade da década de 1890, a capital japonesa fervilhava com energia. Seus primeiros trabalhos na capital foram trípticos ukiyo-e que ilustravam episódios da Guerra Russo-Japonesa, conflito que ocorreu entre 1904 e 1905. Essas gravuras de guerra eram populares na época, alimentando o fervor nacionalista. No entanto, para Koson, essas obras representavam mais uma necessidade comercial do que uma verdadeira paixão artística.

Durante esse período inicial, Koson trabalhou com os editores Akiyama Buemon (Kokkeidō) e Matsuki Heikichi (Daikokuya). A parceria com eles deu a Koson a experiência prática necessária para dominar o processo colaborativo da xilogravura tradicional, onde artista, entalhador e impressor trabalhavam em harmonia.

O Florescimento do Kachō-e

Foi no gênero kachō-e, as gravuras de pássaros e flores, que Koson encontrou sua verdadeira vocação. Em um Japão cada vez mais urbano e industrializado, ele voltou seu olhar para a natureza com uma observação precisa e profundamente espiritual. Suas primeiras gravuras nesse estilo começaram a circular entre 1904 e 1912.

Nessas obras iniciais, já era possível perceber a sensibilidade única de Koson. Uma garça não era apenas uma garça, era um estudo sobre elegância e solidão. Um pardal entre as flores de ameixeira era um comentário sobre a fragilidade e a resistência da vida.

 

Blooming Azalea

 

Durante esses anos, Koson lecionava na Escola de Belas Artes de Tóquio, o que lhe proporcionava estabilidade financeira. Foi na escola que conheceu Ernest Fenollosa, um americano apaixonado pela arte tradicional japonesa. Fenollosa convenceu Koson a dedicar-se completamente às gravuras em xilogravura no estilo tradicional. Esse encontro foi decisivo.

A obra "Blooming Azalea" exemplifica perfeitamente esse período de florescimento artístico. O vaso azul cobalto contrasta vibrante com as azaleias em tons de vermelho, rosa e branco, criando uma composição equilibrada que celebra a abundância da natureza. A escolha do vaso cerâmico representava a cultura material japonesa, ancorando as flores efêmeras em um objeto duradouro. A técnica de impressão demonstra o domínio de Koson sobre camadas de cor, cada pétala recebendo atenção meticulosa para criar profundidade e volume.

O Grande Terremoto de 1923 e a Transformação

Em 1º de setembro de 1923, o Grande Terremoto de Kanto devastou Tóquio e suas redondezas. A catástrofe matou mais de 100 mil pessoas e destruiu grande parte da infraestrutura da cidade, incluindo inúmeros ateliês de artistas e editoras.

Koson, que tinha cerca de 46 anos quando o terremoto ocorreu, precisou reconstruir sua vida e repensar sua arte. As gravuras que ele produziu após 1923 mostram uma mudança perceptível: cores mais vibrantes, contrastes mais ousados, uma luminosidade que parecia responder à destruição com afirmação de vida. Suas obras desse período demonstram um domínio absoluto da técnica de bokashi, o sombreamento em degradê que transformava a superfície plana do papel em espaços tridimensionais de névoa, luz e atmosfera.

A Parceria com Watanabe Shōzaburō

Em 1926, Koson iniciou sua colaboração mais importante: a parceria com Watanabe Shōzaburō, o editor que se tornaria o grande arquiteto do movimento shin-hanga. Watanabe tinha uma visão clara: revitalizar a gravura japonesa tradicional combinando-a com sensibilidades modernas e comercializá-la internacionalmente, especialmente nos Estados Unidos.

Para essa nova fase, Koson mudou a assinatura em seus trabalhos de "Koson" para "Shōson", marcando uma renovação de identidade artística. O editor proporcionava acesso aos melhores entalhadores e impressores de Tóquio, artesãos cuja habilidade era fundamental para transformar os desenhos de Koson em obras-primas impressas.

Cat and Goldfish

 

A obra "Cat and Bowl of Goldfish" de 1933 demonstra a versatilidade de Koson além das aves. Um gato malhado inclina-se sobre uma tigela contendo peixes dourados, criando uma tensão narrativa imediata. O animal está congelado em um momento de fascínio predatório, suas patas delicadamente posicionadas na borda do tatame. A composição é construída em diagonais que guiam o olhar: da cauda do gato até sua cabeça, depois para os peixes na tigela. O uso de cores terrosas para o tatami contrasta com o branco e preto do gato e o laranja vibrante dos peixes, criando equilíbrio cromático sofisticado. Esta obra mostra como Koson conseguia injetar humor e leveza em composições aparentemente simples.

 

Cereja Florescendo ao Luar

 

"Cereja Florescendo ao Luar" representa o ápice da maestria de Koson em criar atmosfera através de gradações sutis de cor. A lua cheia emerge através dos galhos de cerejeira em flor, criando um estudo em azuis que vão do quase branco ao índigo profundo. A técnica de bokashi aqui é excepcional: o céu não é uma cor uniforme, mas uma transição suave que sugere profundidade e movimento atmosférico. Os galhos de cerejeira se estendem diagonalmente através da composição, suas flores delicadas capturadas em diferentes estágios de floração. Algumas pétalas já caem, suspensas no ar noturno, adicionando uma dimensão temporal à imagem. Esta obra sintetiza os temas recorrentes na arte japonesa: a beleza efêmera (mono no aware), a contemplação da natureza, e a interação entre o etéreo e o sólido.

O Sucesso Internacional e os Anos Finais

A década de 1920 e início dos anos 1930 foram o auge da carreira de Koson. Suas gravuras eram exportadas em grande quantidade para os Estados Unidos, onde encontraram um público ávido por arte japonesa autêntica. A ironia era palpável: enquanto o público japonês desvalorizava sua própria tradição artística, os americanos e europeus colecionavam avidamente essas mesmas obras.

Koson produziu aproximadamente 500 gravuras ao longo de sua carreira, mantendo qualidade consistente. Em 1936, suas gravuras foram incluídas na segunda exposição Shin Hanga em Toledo, Ohio, solidificando a reputação internacional do movimento.

Após 1935, os registros sobre sua atividade artística tornam-se escassos. O Japão estava caminhando para a guerra, e os mercados internacionais estavam se fechando. Durante esse período final, Koson também assinou algumas obras como "Hōson" quando trabalhava com o editor Kawaguchi.

Koson faleceu em sua casa em Tóquio em 1945, no mesmo ano em que a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim. Ele viveu tempo suficiente para ver seu país passar pela modernização Meiji, pelo terremoto devastador, pela ascensão militarista e pela derrota na guerra. Através de todas essas transformações, sua arte permaneceu como um refúgio de beleza e contemplação.

O Legado e a Redescoberta

Por décadas após sua morte, Koson permaneceu relativamente desconhecido no Japão. Suas obras eram mais valorizadas em coleções estrangeiras do que em museus japoneses. Foi apenas nas últimas décadas que começou um processo de reavaliação crítica de seu trabalho.

Hoje, suas obras estão em coleções permanentes de instituições prestigiadas ao redor do mundo: o Museu Metropolitan de Arte em Nova York, o Museu de Belas Artes de Boston, o Museu Britânico em Londres, o Rijksmuseum em Amsterdã. Uma grande retrospectiva realizada em 2021 no museu Manggha em Cracóvia reintroduziu Koson ao público europeu.

A técnica de Koson era fundamentada na colaboração tradicional da xilogravura japonesa. Seus desenhos eram transferidos para blocos de madeira de cerejeira por entalhadores especializados. Cada cor requeria um bloco separado, e algumas de suas gravuras mais complexas utilizavam dezenas de blocos diferentes. Os impressores aplicavam pigmentos à base de água sobre os blocos entalhados, controlando a umidade e a pressão para criar os efeitos característicos.

Mas a verdadeira maestria de Koson ia além da técnica. Suas composições demonstram um entendimento profundo dos princípios estéticos japoneses: o ma (espaço negativo), o conceito de sugestão em vez de descrição explícita, e a busca por capturar o espírito do sujeito.

A Relevância Contemporânea

Em nosso mundo hiperconectado e digitalizado, as gravuras de Ohara Koson oferecem algo precioso: uma pausa, um convite à contemplação. Suas imagens de pássaros e flores não são apenas decorativas, são portais para uma forma diferente de ver e estar no mundo.

A obra de Koson nos ensina sobre a possibilidade de síntese cultural. Ele viveu em uma época de colisão entre Oriente e Ocidente, entre tradição e modernidade, e encontrou uma terceira via. Suas gravuras são profundamente japonesas em espírito, mas universais em apelo.

O legado de Ohara Koson não reside apenas nas aproximadamente 500 gravuras que criou, mas na visão de mundo que elas representam. Ele nos ensina que a arte pode ser ao mesmo tempo profundamente enraizada na tradição e eternamente relevante, que a beleza não precisa gritar para ser poderosa, e que prestar atenção ao mundo natural não é escapismo, mas uma forma essencial de sabedoria.