Leonardo da Vinci foi um artista movido por uma curiosidade sem limites. Pintor, anatomista, engenheiro e pensador, ele nunca se contentou com o superficial. Seus desenhos e pinturas refletem um espírito em constante busca, não apenas pela beleza, mas por entender como o mundo funciona. Suas obras se entrelaçam com os momentos que viveu. Com base em sete trabalhos fundamentais, é possível acompanhar as transformações pessoais, intelectuais e espirituais que marcaram sua trajetória.

 

Primeiros estudos e a obsessão pelo rosto humano

Leonardo nasceu em 1452, em Vinci, uma pequena comuna perto de Florença. Ainda jovem, ingressou no ateliê de Andrea del Verrocchio, onde aprendeu desenho, pintura, escultura e modelagem. Esse período inicial foi fundamental para o desenvolvimento de sua técnica.

 

The Head of the Virgin

 

Por volta de 1475, Leonardo começou a criar estudos sobre o rosto humano com uma atenção quase científica. “The Head of the Virgin” é exemplo disso. A leve inclinação do rosto, a suavidade do olhar e os fios de cabelo que escapam sugerem não apenas domínio técnico, mas também o desejo de captar emoções reais. Naquele momento, Leonardo estava cada vez mais envolvido com estudos anatômicos, observando cadáveres e fazendo anotações detalhadas sobre músculos e expressões faciais. Mais do que um exercício artístico, esse tipo de desenho era parte de uma investigação sobre como sentimentos se manifestam no corpo.

 

Proporção, ciência e o corpo humano

Aos 30 anos, Leonardo se muda para Milão, onde começa a trabalhar para Ludovico Sforza, o Duque da cidade. Nesse novo ambiente, sua produção se torna mais ampla. Além da pintura, passa a atuar como arquiteto, engenheiro militar e desenhista técnico.

 

Homem Vitruviano

 

Foi nesse contexto que produziu, por volta de 1490, o “Homem Vitruviano”. Inspirado nos escritos do arquiteto romano Vitruvius, Leonardo buscava demonstrar que o corpo humano poderia ser usado como medida de proporção perfeita. O desenho mostra um homem com braços e pernas em duas posições, inscrito em um círculo e um quadrado. Mais do que um estudo artístico, é uma declaração sobre como o ser humano se insere nas leis naturais. Leonardo acreditava que compreender o corpo era também compreender o universo. Este pensamento guiaria seus estudos nos anos seguintes.

 

Códigos visuais e alegorias

Wreath of Laurel

 

Durante o período em Milão, Leonardo teve contato com o pensamento neoplatônico, com matemáticos e filósofos que frequentavam a corte. Entre suas obras menos conhecidas, mas altamente simbólicas, está “Wreath of Laurel”.

A imagem de ramos de louro, palmeira e pinheiro entrelaçados por uma faixa com inscrição em latim sugere a união entre virtude, nobreza e conhecimento. É uma obra que se distancia da figura humana para explorar a linguagem simbólica. O uso do fundo vermelho profundo e da caligrafia elegante indicam um Leonardo interessado em expandir seu repertório visual, buscando novas formas de comunicar ideias complexas. Essa obra pode ter sido criada como parte de um presente diplomático ou como estudo decorativo para ambientes da corte.

 

A mulher e o animal: domínio técnico e simbólico

 

Lady with an Ermine

 

Por volta de 1489, Leonardo foi encarregado de retratar Cecilia Gallerani, amante do Duque Ludovico. O resultado foi a pintura conhecida como “Lady with an Ermine”. O quadro é considerado uma virada na carreira do artista. A maneira como Cecilia segura o pequeno arminho, o movimento sugerido pela posição do braço e o olhar voltado para fora do quadro demonstram uma nova sofisticação na composição.

Aqui, Leonardo atinge um equilíbrio raro entre naturalismo e simbolismo. O animal representava pureza, mas também estava diretamente ligado ao duque, o que tornava o retrato um símbolo político. É nessa fase que ele desenvolve o uso do sfumato, técnica que cria transições suaves entre tons e que se tornaria uma de suas marcas. A figura de Cecilia não é congelada. Há nela a sugestão de movimento e pensamento, como se estivesse prestes a falar. Era essa vida interior que Leonardo buscava revelar.

O ápice narrativo: A Última Ceia

 

A Última Ceia

 

No final da década de 1490, Leonardo recebeu a encomenda de uma pintura mural para o refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie. O resultado foi “A Última Ceia”, uma das obras mais ambiciosas e reverenciadas do Renascimento.

A pintura representa o momento em que Jesus anuncia que será traído por um dos apóstolos. Leonardo organizou a cena em grupos de três personagens, dando dinamismo e coerência à composição. Cada apóstolo reage de maneira diferente, com expressões detalhadas de surpresa, negação e medo. Para alcançar esse nível de realismo, Leonardo fez centenas de estudos prévios de mãos, rostos e gestos.

Essa obra marcou o ápice de seu prestígio em Milão, mas também expôs limitações técnicas. Leonardo experimentou uma técnica inadequada para o mural, o que fez com que a pintura se deteriorasse rapidamente. Ainda assim, o impacto da obra foi imediato e duradouro.

 

O retrato mais enigmático do mundo

 

Mona Lisa

 

Entre 1503 e 1506, já de volta a Florença, Leonardo começou a trabalhar em “Mona Lisa”, que levaria consigo até o fim da vida. Acredita-se que a modelo seja Lisa Gherardini, esposa de um comerciante local.

O que torna esse retrato tão especial não é apenas o sorriso ambíguo, mas o tratamento da luz e da paisagem ao fundo. Leonardo estava cada vez mais interessado na integração entre figura e ambiente. O uso do sfumato aqui atinge sua forma mais refinada, com transições quase invisíveis entre sombra e luz. O quadro nunca foi entregue ao cliente, e Leonardo o considerava uma obra em constante aprimoramento.

 

Os últimos anos e a introspecção

Nos anos finais de sua vida, Leonardo se mudou para a França a convite do rei Francisco I. Instalado em Clos Lucé, viveu seus últimos dias como conselheiro e desenhista. Já não produzia grandes pinturas, mas seguia registrando ideias e esboços em cadernos.

 

Madonna and Child, and Fragment of Woman’s Torso

 

Madonna and Child, and Fragment of Woman’s Torso” é uma obra que sintetiza esse momento. A composição simples, com a Virgem segurando o menino, transmite uma serenidade silenciosa. Já não há a grandiosidade das cenas bíblicas anteriores, apenas o gesto contido e amoroso de uma mãe. Leonardo parecia mais preocupado com o essencial do que com o espetacular.

 

Essa fase final foi marcada por reflexões filosóficas e revisões dos projetos que nunca concluiu. Ele morreu em 1519, deixando centenas de páginas de anotações, estudos anatômicos e invenções, além de poucas, mas profundas obras completas.