A arte, assim como a sociedade, está em constante evolução. Por vezes, essa transformação acontece de maneira gradual, quase imperceptível. Em outros momentos, ela é abrupta, resultado de uma profunda mudança cultural. Foi esse o cenário no Japão do final do século XIX, quando a Era Meiji (1868–1912) impulsionou o país rumo à industrialização e à ocidentalização. Nesse período de intensas rupturas e adaptações, a arte tradicional precisou se reinventar. É nesse contexto vibrante que emerge a figura de Furuya Korin, um artista gráfico notável que soube, como poucos, traduzir o passado decorativo da escola Rimpa para uma nova e moderna linguagem visual, funcional e arrojada.

Enquanto muitos artistas japoneses da época resistiam à influência ocidental ou se entregavam por completo a ela, Korin optou por um caminho único e híbrido. Sua arte não buscava a representação mimética do mundo real, mas sim a sua organização em formas e ritmos. Trabalhando predominantemente com xilogravuras e design têxtil, ele se destacou por criar composições modulares que funcionavam tanto como obras de arte autônomas quanto como padrões gráficos para o cotidiano. Essa capacidade de unir a tradição com a funcionalidade moderna é o que faz de suas obras uma referência atemporal, um verdadeiro elo entre o antigo e o novo.


 

Disciplina Estética e as Raízes Decorativas da Escola Rimpa

 

 

A formação de Furuya Korin foi profundamente moldada pelos princípios estéticos da escola Rimpa, um movimento que floresceu no período Edo e que celebrava a representação decorativa de elementos naturais. O próprio nome "Korin" é uma homenagem direta a Ogata Kōrin, um dos mestres supremos dessa tradição. Mas a sua jornada artística também foi marcada pelo contato com outro nome essencial: Kamisaka Sekka. Sekka já explorava o campo do design e da impressão têxtil, e sua abordagem inovadora e modernizante teve uma influência determinante sobre o jovem Furuya, abrindo seus olhos para as possibilidades da arte aplicada.

 

Woodblock Print Diamonds

 

As primeiras obras de Korin já revelam um estudo aprofundado da estrutura interna das formas naturais, traduzida em padrões que exalam regularidade e disciplina estética. Um exemplo fascinante é a xilogravura Woodblock Print Diamonds. Essa obra não retrata diamantes literais, mas sim um padrão de formas que alternam entre curvas e pontas, repetidas com precisão sobre um fundo verde. Essa repetição controlada não apenas cria um senso de rit

 

mo visual, mas também transforma a obra em uma experiência puramente organizadora do olhar, desvinculada de qualquer narrativa tradicional.


 

A Década de 1910: A Arte se Torna Funcional no Cotidiano

 

Woodblock Print Fish

 

Com o Japão em pleno ritmo de urbanização, Korin percebeu a crescente demanda por arte que fosse, acima de tudo, útil. Ele fez a transição da pintura narrativa para a produção de imagens pensadas para estampar tecidos, biombos, capas de revista e papel de parede. A arte não podia ser apenas bela; ela precisava ser funcional e, crucialmente, replicável. Essa nova fase reflete uma profunda adaptação do seu trabalho às necessidades da vida moderna.

 

Woodblock Print Pink

 

O espírito dessa época pode ser visto em obras como Woodblock Print Fish e Woodblock Print Pink. A primeira utiliza silhuetas verticais de peixes estilizados, alinhados em colunas que criam um fluxo quase arquitetônico. A segunda, por sua vez, emprega linhas onduladas e um rosa vibrante para evocar o movimento da água ou do vento, mas sem a necessidade de uma representação figurativa. Nelas, o padrão se impõe como estética pura, e sua função primordial é a de criar harmonia visual, seja em um tecido de quimono ou na parede de uma sala. A escolha da xilogravura como técnica foi estratégica: ela permitia a produção de múltiplos exemplares com alta qualidade e regularidade, facilitando a circulação das obras em meios comerciais e editoriais e permitindo que a sofisticação estética chegasse a um público urbano mais amplo.


 

Padrões Abstratos e a Influência do Design Modernista

 

Woodblock Print Stripes

 

Durante os anos 1920, já consolidado como um designer gráfico de vanguarda, Korin mergulhou em uma fase mais experimental, explorando padrões altamente abstratos. Sua obra desse período se alinha de forma impressionante com o que, na Europa, viria a ser chamado de design modernista. Ele continuou a explorar a repetição como base, mas agora aprofundou-se em temas como a tensão cromática e o desequilíbrio formal.

 

Woodblock Print Red ZigZag

 

A obra Woodblock Print Stripes é um marco dessa fase. Nela, linhas verticais de cores variadas se alternam com uma precisão que cria profundidade e movimento através do contraste. As faixas evocam tanto colunas quanto dobras de tecido, e seu impacto visual é direto e quase industrial. Não há mais qualquer tentativa de "representar" o mundo natural; a forma e a cor se tornam o próprio tema da obra. Na sequência, a xilogravura Woodblock Print Red ZigZag leva esse conceito ao extremo. Composta por ondas em zigue-zague vermelho e preto, a imagem parece pulsar, vibrando com um ritmo acelerado, perfeitamente alinhado à energia das cidades modernas. A paleta reduzida e o padrão intenso mostram um artista que já havia superado o figurativismo e assumido o design como uma forma de arte completa e independente.


 

Os Anos Finais: A Natureza Abstrata e o Silêncio Gráfico

 

Em seus últimos trabalhos, Furuya Korin parece buscar um ponto de equilíbrio final, uma síntese entre o padrão decorativo e a abstração da natureza. Ele retorna a temas orgânicos, mas os apresenta de uma forma inteiramente estilizada e sutil. As obras dessa fase são mais minimalistas, com menos elementos e cores mais planas.

 

Woodblock Print Green Curves

 

A xilogravura Woodblock Print Green Curves exemplifica essa maturidade. Linhas sinuosas atravessam um fundo verde vibrante. Há uma sugestão de algo vegetal ali — talvez cipós, talvez ramos de bambu — mas tudo é simplificado ao máximo, tornando a forma um símbolo, quase um ideograma. A repetição, nesse ponto, não é apenas uma estética, mas uma linguagem. Já em Revoada, Korin aplica toda sua economia formal em uma composição noturna: pássaros brancos em contraste com um fundo preto. O voo dos pássaros se torna um padrão gráfico. Não há céu ou paisagem; apenas o puro contraste entre a luz e a sombra. É uma obra silenciosa e quase meditativa, que encerra sua trajetória com uma precisão visual absoluta.

Furuya Korin foi, sem dúvida, um dos primeiros artistas japoneses a perceber que o padrão gráfico poderia ser uma linguagem estética independente da narrativa. Em uma época de profundas transformações sociais e culturais, ele ofereceu uma arte que se adaptava perfeitamente à vida moderna, mas sem jamais romper com as raízes visuais japonesas. Seu legado não se encontra em grandes painéis narrativos ou cenas históricas, mas na sua genial capacidade de transformar o cotidiano em ritmo, forma e cor. Ele nos ensinou que a arte não precisa estar restrita a uma moldura, mas pode ser encontrada na beleza do mundo ao nosso redor.

Qual aspecto da arte de Furuya Korin você acha mais interessante: sua habilidade de unir tradição e modernidade, ou sua transição para a abstração pura?