A transição da arte francesa do final do século XIX para o início do XX é marcada por deslocamentos de estilo, espiritualidade e experiências pessoais. Cada um desses artistas viveu rupturas que mudaram o rumo de suas obras.
Claude Monet e o isolamento em Giverny
Claude Monet começa sua trajetória em Paris, no meio do fervor impressionista, mas é no campo, em Giverny, que sua pintura atinge um novo patamar. A partir de 1883, ele se fixa na propriedade que moldaria sua arte para sempre. A série "Nênufares", por exemplo, surge não só como observação botânica, mas como resposta direta à sua busca por isolamento e contemplação da natureza.
Ao mesmo tempo, a cegueira progressiva que enfrentaria nas décadas seguintes fez com que suas pinceladas se tornassem mais largas e suas cores mais intensas, quase simbólicas. Monet conviveu com Degas e Renoir nos salões impressionistas, mas é em reclusão que encontrou sua expressão mais livre. A amizade e rivalidade silenciosa com Degas também moldaram sua busca por luz e movimento — enquanto Monet se lançava ao ar livre, Degas preferia o interior sombrio dos teatros e oficinas.
Edgar Degas e a observação crítica da vida urbana
Degas manteve laços com Monet no início da carreira, mas se afastou dos temas naturalistas. Ele escolheu o cotidiano urbano como foco. Entre 1870 e 1890, passou a retratar bailarinas, lavadeiras e cenas de teatro, concentrando-se na repetição do gesto e no desgaste do corpo. Não era uma celebração da beleza, mas uma análise quase documental da vida operária. Na fase final, Degas se isola por conta de problemas de visão, tal como Monet, e suas figuras tornam-se mais borradas, como memórias que resistem ao tempo. Embora suas abordagens tenham divergido, o respeito mútuo entre Degas e Monet era notório, e suas trocas nos salões impressionistas ajudaram a construir a base do modernismo francês. Renoir, com quem também compartilhou esses salões, foi uma presença constante nesse circuito, ainda que seguisse caminhos pictóricos distintos.
Odilon Redon: espiritualismo e introspecção
Odilon Redon trilha outro caminho. Ao contrário de Monet e Degas, que partiram da realidade, Redon mergulha em estados mentais e visões interiores. No final da década de 1870, sua obra ainda era centrada em gravuras escuras e cenas visionárias. A virada ocorre em 1890, quando suas composições ganham cor, reflexo do contato com Gauguin e os simbolistas. Essa fase colorida coincide com um momento de estabilidade emocional e reconhecimento público. Ele troca o preto pelo pastel, e seus temas se tornam mais espirituais do que sombrios. A troca de cartas com Gauguin e o ambiente intelectual criado pelos simbolistas reforçaram essa guinada cromática e emocional.
Henri Rousseau e a imaginação autodidata
Rousseau, que começa a pintar tardiamente, é ignorado pela academia. Trabalhando como fiscal da alfândega, ele pinta cenas exóticas sem nunca ter saído da França. Entre 1890 e 1910, sua arte se destaca pela ingenuidade formal e pela paleta viva. Quando conhece Apollinaire e os modernistas, ganha reconhecimento tardio. Seu "O Sonho" é de 1910, pouco antes de morrer, e sintetiza a força de sua fantasia visual: não baseada na observação, mas na invenção. Gauguin, embora mais conhecido na época, reconhecia em Rousseau uma liberdade que o próprio buscava em suas viagens ao Pacífico. A ingenuidade de Rousseau contrastava com a elaboração simbólica de Redon, mas ambos foram vistos por críticos como parte de uma arte não acadêmica, impulsionada pela emoção. Apollinaire foi um dos primeiros a reconhecer o valor dessa simplicidade deliberada, escrevendo sobre ele com entusiasmo.
Paul Gauguin: fuga e ruptura
Gauguin parte para o Taiti em 1891. O que ele encontra ali não é um paraíso, mas uma nova linguagem. Ele rompe com o impressionismo e assume cores chapadas, contornos duros e temas mitológicos. A fase taitiana reflete sua crise pessoal e seu rompimento com a Europa. As figuras nativas em "De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?" (1897) revelam não só uma visão colonial, mas também um artista que buscava sentido numa vida de exílio. Sua influência direta em Redon é visível a partir de 1890, assim como sua troca de ideias com artistas do grupo de Pont-Aven. Gauguin conhecia Degas e Monet, e embora divergisse de seus estilos, estava inserido no mesmo circuito artístico e literário.
Alphonse Mucha e a estética como linguagem popular
Mucha se torna um dos nomes mais associados à Belle Époque parisiense. Em 1895, ao criar o cartaz para Sarah Bernhardt, muda os rumos da arte publicitária. Seus arabescos, paleta pastel e mulheres idealizadas definem o estilo Art Nouveau. Mucha acreditava na arte como elemento civilizador e popular. Nos anos 1900, retorna à sua terra natal para pintar "A Epopéia dos Eslavos", revelando seu lado nacionalista e místico. A beleza ornamental de sua obra encobre um ideal político profundo. Embora não tenha convivido diretamente com os impressionistas, a estética decorativa de Mucha foi paralela à busca de Gauguin por síntese entre forma e espiritualidade. Ambos dialogam com o simbolismo, embora por vias distintas.
O legado entre encontros e rupturas
A arte francesa desse período não se explica por um único estilo ou escola. O que une esses artistas é o movimento — entre cidades, entre ideias, entre modos de ver. Eles dialogaram direta ou indiretamente, influenciaram uns aos outros e, acima de tudo, reagiram ao tempo em que viveram.
Com sua luz, corpo, sonhos, fantasia, fuga e ornamento. Cada um deixou marcas profundas na forma como pensamos imagem, beleza e expressão até hoje.